4.4.10

Simonal - O dedo duro deu...

Quando o documentário sobre a vida de Wilson Simonal saiu nos cinemas, foram feitas trocentas matérias sobre o filme. A maioria, alinhada com um certo revisionismo histórico em voga neste país e com o marketing de um produto Globo Filmes, defendendo o músico e apontando o terrível ostracismo que lhe fora imposto por mais de 20 anos.

Como eu já havia lido sobre o episódio, fiquei muito atento ao que se dizia sobre a história e sobre o filme.

É fato que todo morto ganha um desconto de 80% das escrotices que fez, é um processo humano de esquecimento, natural, que deve fazer bem até pra pele, afinal, rancor é uma coisa péssima.

No entanto, como eu guardo meus rancores com imenso carinho (salve Kastor, meu mestre!), não fui ao cinema tirar minhas dúvidas, despejar minha desconfiança... dei um tempo, para ver se eu estabelecia uma distância regulamentar minimamente objetiva.

Baixei o filme e o sarrafo :)


Não, brincadeira. O filme é claramente dividido em partes: (1) a música, (2) o causo e (3) ostracismo.

A primeira parte é excelente, mostra como um negro pobre, filho de empregada doméstica, resolveu largar sua carreira (?) no exército para se dedicar à música. E, ´taqueopariu, o cara era bom pra cacete! Conhecia suas músicas, o seu carisma, mas não sabia dimensionar o quanto a figura de Simonal era impressionante no palco. O domínio de público mostrado em algumas cenas de arquivo é acachapante, dá vontade de cantar junto.

Além da voz aveludada, o cara conseguiu se encaixar em um espaço na música nacional, pois transitava em todos os estilos com igual eficiência melódica. Como afirmado por um dos entrevistados, Simonal era um "entertainer": cantava, dançava, brincava, contava piadas, interpretava, saltava, preenchia o formulário do imposto de renda, fazia download, era uma câmera de 8 megapixels, tinha gps, e tudo mais que você possa imaginar no palco.

Até um "estilo de música" o cara tinha, a tal "pilantragem", que realmente era uma pilantragem, mas funcionava que era uma beleza no Rio, a terra da... pilantragem!

Se o filme fosse só isto, seria excelente, redondinho, contagiante, um ídolo em seu auge!

Mas aí começa a segunda parte: o "causo".

Segundo o filme, Simonal um dia descobriu que seu contador havia lhe roubado. Como era "fodão", chamou uns seguranças para dar uma dura no cara. O contador não entregou o serviço e foi parar no DOPS, em plena ditadura, onde lhe encheram de bolacha, choque no mamilo e outras delícias sadômasôs! Após o incidente, a partir de uma queixa na polícia, Simonal foi processado e preso, por sequestro/extorsão. E, por instrução de seu advogado, disse que o contador era terrorista, que andava lhe ameaçando, e por isto o DOPS havia entrado na enrolada. Afinal, ele, Simonal, tinha ligações estreitas com o regime militar.

Aí vemos toda uma pletora de amigos, defensores, colaboradores, admiradores, dizendo que o Simonal era muito bom para ter feito isto, que ele foi "ingênuo", que ele não tinha nada com o DOPS ou o regime militar, que fora uma típica história obscura, malentendida, tola, que teve consequências aberrantes.

Para não ficar tão revisionista, o documentário entrevistou o contador, a vítima, e ele contou a versão dele, que deve ter durado uns 5 minutos.

- Poxa, que bom, né? Deram espaço pro cara falar... - você pensa.

É gafanhoto, deram, mas os cinco minutinhos parecem um intervalo comercial, daqueles que ninguém presta atenção, no meio de tantos amigos, dos filhos, do sofrimento retratado pela ex-esposa do Simonal, que era "foda". Quase não há repercussão do que é dito, ou análise, aposto que as pessoas que viram o filme devem lembrar vagamente da entrevista. Devem lembrar que ela tava lá, mas o que foi dito, duvido.

A terceira parte é só lamento, sincero, dos filhos, dos amigos, dos parceiros que não estenderam a mão. E dá-lhe gente provando, por A+B, que o Simonal não tinha nada com ditadura, o cara até em Brasília foi, atrás de documentos oficiais que "provavam" que ele não era dedo-duro, informante do DOPS. Até o pessoal do Pasquim, que descascou o negão, faz uma meia-mea-culpa. Tudo muito bonitinho, editadinho, montadinho, coisa fina, gente.

Ok.

Primeiro detalhe: Simonal era muito bom músico, espetacular até, e só tinha uma ideologia: ele mesmo. Queria ganhar dinheiro, ostentar, comer deus e o mundo, falar dele mesmo e por aí vai. Não iria embarcar nunca em uma cruzada ideológica de forma alguma, era egocêntrico demais pra isto.

Segundo detalhe: um negão, de voz macia, nos anos 60, pegando todas, não era bem visto, deve ter enfurecido muita gente na sociedade carioca fóssil da época.

Terceiro detalhe: o cara gastava os tubos, tava nem aí, não tinha a mínima noção.

Quarto detalhe: é só procurar na internet e você vai ler que o Simonal se gabava de ter ligações com a ditadura, falava isto em alto e bom tom, antes e depois do episódio chave. Pode ter sido só fanfarronice, como lhe era costumeiro, mas também não é difícil ver que o cara estava ligado a vários episódios emblemáticos: (1) acompanhou a seleção de 70, que era usada pelos militares; (2) garoto propaganda da Shell, por tabela, do milagre brasileiro; (3) fazia o sucesso permitido oficialmente, qual seja, o que dava "circo" para o povo... Não estou querendo afirmar que o cara era de "direita", ou trabalhava com o DOPS (quem dizia isto era ele!), apenas é mais do que claro que ele não se importava e até se "beneficiava" do regime. Tanto que um dos que falam mais no documentário é o Boni, o assecla da Globo, que dizia viver sob censura, mas ergueu um império na ditadura militar!

Porra, ser defendido pelo Boni é queima!

Quinto detalhe: o documentário não informa, mas, em juízo, o Simonal confirmou que era informante do DOPS!!! Além dele, dois capangas do referido órgão confirmaram que ele era mesmo!!! Em juízo, na frente do Juiz, porra!!! Agora, o filme poderia então tentar explicar como é que o contador foi do escritório do Simonal para dentro do DOPS tomar choque, ser torturado, assim, do nada... O cara precisava conhecer nem que fosse o guarda que abria a porta, não? Não!!! O Simonal não era disto, dizem os amigos, o Boni, os filhos. Enquanto isto, em 5 minutinhos, o contador, que nunca foi sequer denunciado pelo alegado "desfalque", tomou choque, foi ameaçado, detonado, e o Simonal tava lá, em certo momento, vendo e aprovando.

FODA-SE O SIMONAL!

Não é porque o cara era ótimo músico que tem direito de levar alguém pro pior canteiro de dor da época para ser torturado.

O Simonal era um fanfarrão, muito provavelmente a "ligação" que ele tinha com o regime era de "amizade", a galera da "revolução" tava contente com ele dando circo pras massas, ele gostava de ser paparicado, tinha "contatos", era o "rei da cocada preta", e bola pra frente.

Creio que grande parte da queda dele se deveu a uma combinação de coisas: arrogância (achava que era fodão demais para ser atingido), preconceito (a ditadura aceitava Simonal porque era conveniente, mas não esquecia que ele era o negão que tava comendo as loirinhas!) e escrotice mesmo (a tal "pilantragem" que ele achou que era malandragem, mas que levou um cara a ser torturado)...

Em defesa dele, há uma passagem do Chico Anysio que deve ser ressaltada: nunca apareceu ninguém que dissesse ter sido delatado pelo Simonal... boa afirmação, embora contradita em um dos artigos no fim deste post!

No entanto, é fácil dizer hoje que ele foi vítima de "patrulha ideológica", mas quem vivia na época tinha c*, e quem tem c* tem medo! A mera presença de um fanfarrão dizendo que era dedo-duro, já era de deixar neguinho torando um aço! E eu repito a tecla: quem leva alguém pra ser torturado é torturador também, aceita a prática, é conivente!

Agora, 20 anos de ostracismo? Muita coisa? Não sei... Fiquei aqui pensando com meus botões, se o cara era tão foda, se fazia um sucesso tão estrondoso no mundo, porque ficou no Brasil, onde era "ostracizado"? Podia ter ido pra Argentina, México, Itália, França, Estados Unidos, afinal, não era um sucesso mundial? Não entendi.

Ao fim, acho que o filme vale a pena ser visto, pela qualidade do artista, pelo descaramento do Boni, pelos grandes amigos que não estenderam a mão pro cara... mas é revisionista, e tenta lacrimejar o espectador com a pobre história do grande artista perseguido pela esquerda... balela!

Além disto, o filme nem é tão bom assim, nem é tão bem montado nem nada...


Abaixo, link do filme e, como homenagem ao ARTISTA, um link de um tributo feito a ele por músicos atuais:




Até o tronco!

3 comentários:

  1. O Simonal me dedurou também. Quero minha Bolsa Ditadura djá!

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  2. É outro tipo de dedurada, Campello, não foi aquela que ele fez em você...

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