16.3.10

São Ferris Bueller


Quem compreende inglês falado às vezes pasma diante dos erros de tradução estampados em legendas de filmes e sitcoms.
O caso mais comum é passar para o português o significado literal duma expressão idiomática (dizer he's got skeletons in the cupboard, na Inglaterra, significa que alguém tem algo a esconder, não exatamente "esqueletos no armário"...).
Outro tipo recorrente de deslize ocorre quando entram em cena os famigerados falsos cognatos (o termo actually em geral é traduzido para "atualmente", quando, de fato, quer dizer "de fato"). Traduzir é tarefa árdua. Actually. Demanda não só conhecimento do código estrangeiro, mas também controle do tempo e larga cultura geral. O último requisito é o mais difícil de preencher, pois exige sede de saber constante. E é precisamente nesse aspecto que, a meu ver, os tradutores de hoje em dia perdem em comparação com os do passado. Quais as causas dessa deficiência? Well, isso é assunto para outro post.

O que eu queria mesmo aqui era tratar de quando o tradutor "melhora" o texto original. Vou dar um exemplo: em Curtindo a vida adoidado (Ferris Bueller's day off), clássico absoluto dos anos 80, dirigido pelo genial John Hughes (esse vale um post, Sardaukar!), há uma cena em que Cameron e Sloane discutem planos para o futuro. Nenhum dos dois sabe que caminho seguir depois da formatura. Sloane então pergunta a Cameron o que ele acha que Ferris vai ser.

- Acho que o precursor de alguma coisa - ele responde.

Putz! Essa palavras, que se ouvem na versão dublada, a 1ª a que assisti, repercutiram fundo em mim. Acompanharam-me por anos a fio e serviram de estímulo/justificativa para tantos e tantos atos de rebeldia juvenil que pratiquei ao longo da vida escolar (que importava a repreensão da professora? Eu era discípulo de São Ferris Bueller!).

Anos depois assisti à versão legendada do mesmo filme. Decepção completa. No original em inglês Cameron responde que Ferris provavelmente levaria a vida a fritar batatas numa lanchonete qualquer (!).

Fica aqui o meu sincero obrigado ao tradutor que, ao trair tão majestosamente o texto original, fê-lo melhor. E com isso me deu a inspiração que eu precisava para driblar a chatice da escola.

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