6.3.10

Eu me esforço para ser ateu, mas...

Eu me esforço para ser ateu. Porém, às vezes, acontecem umas coisas em minha vida que me levam a duvidar: será tudo mesmo fruto do acaso?
Não é possível. Coincidência demais. Por mais sedutora que seja a ideia do Absurdo de Camus, nalguns momentos sou levado a crer na existência duma mão invisível imensa, a dispor de nós como se fôssemos peões sobre um tabuleiro de xadrez.
Sempre refuto tal crença com todas as minhas forças. Aí, um belo dia...
Vinha eu pelo bairro da Torre, a caminho do saudoso Orecic (in memoriam). Ia ao encontro de dois amigos-irmãos, para regar a conversa mole com chopes e espantar a angústia daquela tarde.
Parei numa banca de revistas para comprar cigarros (Marlboro Lights, of course). Estendi a nota de dez reais para o moço e esperei o troco. Quando ele veio, um velho que estava por ali desde antes de eu chegar adiantou-se e tomou para si os trocados da mão do dono da banca. Encarei o sujeito com olhos de espanto. Ele, percebendo o engano, desculpou-se:
- Pensei que esse troco fosse o meu.
Pasmei. Quem era o velho? Gilvan Lemos.
Pausa para explicação: naquele exato dia, eu estava num dilema atroz: publicar ou não os meus textos? A gaveta abarrotada clamava por desafogo. O perfeccionismo recomendava um pouco mais de exercício. Que fazer? Se ao menos eu recebesse um sinal...
Pronto. Tava ali o meu sinal. Gilvan Lemos, um dos melhores ficcionistas pernambucanos, autor do engenhoso O anjo do quarto dia, materializava-se bem na minha frente. Como uma aparição de N. S. de Fátima.
Lance do acaso? Well...
Só sei que, depois daquela tarde epifânica no bairro da Torre, a caminho dos chopes gelados do Orecic, minha gaveta de guardados nunca mais reclamou de superlotação. E este blog passou a contar com minhas modestas contribuições.

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