18.3.10

Conhecimento Perigoso

Quando eu era criança (poxa, muita coisa aconteceu quando eu era criança!), eu queria saber TUDO! Sonhava que seria possível saber tudo, se não nesta vida, quando a gente fosse para o "céu", afinal, a minha idéia de paraíso era justamente esta: saber tudo. Eu chegava lá, Deus se levantava de seu trono, com uma aparência meio Charlton Heston, meio Papai Noel, e dizia:

- O que você quer, meu filho?
- Eu quero saber TUDO, Deus!
- Tudo bem, puxa um troninho aí e vamos começar... pode demorar, hein?
- Tranquilo, eu tenho toda a eternidade :)

Mas como eu não queria esperar tanto tempo, "até morrer", resolvi ir adiantando o serviço, lendo o mais que pudesse, apredendo o mais que pudesse... sobre TUDO.

Só que um dos efeitos de se aprender é justamente dimensionar o quanto não se sabe, e o quanto ninguém sabe. Já a idéia de que se saber muito pode ser "perigoso" era completamente impensável para mim.


Em 2007, a BBC produziu um documentário chamado "Dangerous Knowledge", mas só agora eu o vi. Resumidamente, trata-se da história de 4 cientistas proeminentes que se depararam com problemas da matemática e/ou da física que os deixaram completamente desgastados, tanto fisica quanto mentalmente.

O primeiro deles foi Georg Cantor, um emigrante russo que se assentou com a família na Alemanha, ainda criança, e lá se formou em matemática, dedicando praticamente toda a sua vida adulta ao estudo desta matéria.

As contribuições de Cantor para a matemática são vastas, mas o que fo ez constar neste documentário foi sua busca por entender o infinito, não o conceito filosófico, mas a parte "quantificável" do mesmo. Através de demonstrações sólidas, Cantor começou a tirar conclusões contra-intuitivas e que desafiavam os conceitos da ciência na época. Uma delas foi que existem "infinitos" maiores que outros. Outra foi que nem sempre o todo é maior do que as partes (em se tratando de conjuntos infinitos).

Hein?

É véi, não é pra qualquer um :)

O problema de Cantor foi que suas idéias eram muito ousadas, e demoliam algumas certezas na mais exata das ciências, então, ele foi rejeitado pela academia. Esta rejeição, os problemas de dinheiro, terminaram por deixar Cantor extremamente deprimido. Pra piorar, ele resolveu que iria investir em um dos problemas mais difíceis que já existiram: a hipótese do continuum.

O documentário então revela como estes fatores contribuíram para a desagregação mental de Cantor, que acabou seus dias louco, em um sanatório, enfatizando que quanto mais ele era rejeitado, mais afinco ele tinha com suas idéias e mais obcecado ele ficava em solucionar o problema tratado. Assim, teria sido o toque da mente de Cantor com as idéias tão profundas, tão difíceis, da matemática mais abstrata que o levaram à loucura, sendo então o tal "conhecimento perigoso".

O segundo cientista mecionado foi o físico austríaco Ludwig Boltzmann, que desenvolveu a "teoria cinética dos gases", onde demonstrou que, por mais esforço que se faça, tudo tende à desordem, a entropia sempre vence. Como na época, fins do século XIX e começo do XX, ainda se acreditava que a ciência teria respostas para tudo, uma teoria que afirmava que a desordem reinava no universo, que este último não era um relógio divino finamente desenhado, não poderia ser bem recebida.

Assim como Cantor, Bolztmann foi rejeitado pela academia, apesar de ter sido um dos maiores físicos de seu tempo. Ao fim, desprezado, fodido e mal pago, Boltzmann simplesmente viajou com a família para a Itália e, enquanto os outros passeavam, enforcou-se... sem deixar sequer um bilhetinho.

O documentário então insiste que o suicídio de Boltzmann também se deveu a ele entrar em contato com idéias muito profundas, sobre a natureza do universo. Não considero que Bolztmann tenha a "estatura" científica dos outros 3 mencionados, nem sua história tenha um sentido de continuidade ao trabalho de Cantor, creio que o colocaram no documentário só porque o cara se suicidou. Bom demais para ficar de fora da tese central.

O terceiro cientista é o também austríaco Kurt Godel, este sim, alguém tão grande quanto Cantor e cuja prova máxima demoliu castelos não só na matemática, mas também na filosofia. Godel amava a matemática e, na esteira de grandes lógicos como Bertrand Russel e James Hilbert, tentou provar que era possível confiar no poder da lógica matemática, um modo de pensar já solapado por Cantor. Ele, sim, tem um trabalho que pode ser considerado uma continuação de Cantor, pois adentrou nos problemas mais sérios do ramo científico, nas questões mais abstratas, que assustavam mentes de menor calibre.

No entanto, por mais que Godel tenha tido a intenção de "salvar a lógica matemática", seu trabalho mais importante terminou por provar justamente o contrário, que mesmo a lógica mais refinada, baseada nos melhores axiomas possíveis, não poderia responder a todos os problemas da matemática. A sua demonstração ficou conhecida como "Teorema da incompletude", o qual afirma que qualquer sistema axiomático suficiente para incluir a aritmética dos números inteiros não pode ser simultaneamente completo e consistente. Isto significa que se o sistema é auto-consistente, então existirão proposições que não poderão ser nem comprovadas nem negadas por este sistema axiomático.

Tentando esclarecer, o que Godel provou foi que não existe, nem mesmo na matemática, um jeito de responder todas as questões, pois existiriam questões/proposições que não poderiam ser provadas, ou negadas, e, pior, não dava nem pra saber qual era qual. Alguém poderia passar toda uma vida tentando provar uma coisa e nunca conseguir nem mesmo saber se é possível.

A implicação filosófica do teorema de Godel foi devastadora: se nem mesmo na matemática era possível confiar na lógica (lógica construída por ela mesma, para ser a mais consistente possível), o que falar das teorias das ciências sociais, das teorias filosóficas, das teorias religiosas?

Godel foi uma espécie de Nietzsche da lógica matemática, sem querer, usou um martelo e detonou tudo. Só que ele não ficou apenas nisto, resolveu atacar o Problema do Continuum, aquilo que terminou por endoidar Cantor.

Quanto mais ele trabalhou no problema, mais seus já conhecidos hábitos esquisitos se acentuaram: não tocava nas pessoas, tinha mania de perseguição, achava que sua comida estava envenenada, etc...

Segundo o documentário, Godel foi definhando, consumido pelas idéias que tinha, pelos problemas matemáticos que atacava, e pelos seus problemas mentais. Mais uma vítima de "conhecimento perigoso".

Por fim, temos outro pilar do conhecimento do século XX: Alan Turing. Matemático, lógico, cientista da computação, Turing foi um dos grandes heróis da segunda guerra, pois conseguiu, depois de muito trabalho, desenvolver idéias e máquinas (computadores primitivos), que desvendaram o código Enigma usado pelos alemães para "encriptarem" suas mensagens.

Depois da guerra, Turing enfrentou três grandes desafios: 1) refinar o teorema da incompletude de Godel para uma demonstração mais prática; 2) encarar o desafio de se entender como a mente humana funcionava e 3) lidar com o seu homossexualismo em uma sociedade que considerava esta opção (ou natureza sexual, who cares!) como crime.

Turing refinou Godel, tornando a demonstração puramente matemática do outro em algo que era mais compreensível pela maioria: como funcionava um computador. Ele criou o conceito de "computável", isto é, se uma coisa podia ser representada ou não pelo modo de funcionamento de um computador. A aplicação mais filosófica deste conceito pretendia entender se a mente humana era ou não um computador. Para Turing, às vezes parecia ser, às vezes, não parecia. Dedicou seus últimos anos de vida a isto.

Mas não foi isto que o matou, não foi este "conhecimento perigoso", mas sim a campanha que o governo inglês promoveu. Na época da Guerra Fria, ser homossexual e um cientista de alto calibre, que lidava com assuntos secretos, era um enorme problema, pois se considerava que a sexualidade de Turing abriria espaço (sem maldade, pessoal!) para o uso dele por inimigos, seria uma fraqueza a ser explorada. Em vista disto, decidiram condená-lo, processá-lo criminalmente por "homossexualismo". A pena, além de viver constantemente vigiado, foi ter que tomar injeções de hormônios femininos, para que houvesse uma inibição de seus desejos "másculos" de copular com outros homens...

Triste.

Turing ficou alterado mentalmente, fisicamente, psicologicamente pelas injeções que lhe eram enfiadas pela goela, levando-o a uma depressão sem fim. Até seios nasceram em seu corpo, segundo o documentário.

Exausto, perseguido, com seios, Turing não viu outra alternativa a não ser o suicídio. Pegou uma maçã, injetou cianureto e a mordeu (com todo respeito, uma morte bem gay!).

Creio que, dos 4 apresentados, Cantor e Godel realmente tenham sido atingidos pelo tal "conhecimento perigoso", Boltzmann e Turing tiveram o azar de nascer na época errada, o primeiro pelo zeitgeist da ciência da época (que procurava certezas), o segundo por ser gay numa época de intolerância e perigo (a guerra fria).

O documentário é muito bom, bastante didático, e vai agradar quem gosta dos assuntos abordados. Não vai muito fundos nas questões, afinal, é para o público em geral, não para iniciados.



7 comentários:

  1. Sardaukar, você é o quinto gênio!

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  2. Ajoelhe-se perante ZOD, filho de Jor-El!!!

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  3. Vc quer saber se ele queimava a válvula do pré-Eniac de vez em quando? Isto é um problema computável...

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  4. Resolve esse Enigma, mas cuidado com os tambores giratórios.

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  5. Assisti, gostei. Valeu, Sarda.

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  6. Cara tu podia reupar as legendas....
    Vlw.

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