Leibniz cunhou o conceito de melhor mundo possível: "Deus calcula vários mundos possíveis, mas faz existir o melhor desses mundos". Então, segundo o nosso querido Gottfried, por beneplacência do divino, a gente vive no melhor mundo possível, sendo o mal apenas uma "sombra necessária" para a existência do bem.
Eu lembro disto toda vez que leio sobre uma tragédia. Sobre os Haitis, sobre os tsunamis, sobre a fome na Àfrica, sobre o Holocausto...
Aí vem o velho Epicuro e me "salva", explicando o que qualquer pessoa precisa saber sobre "Deus":
"Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode.
Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus.
Se pode e não quer, é invejoso: o que, do mesmo modo, é contrário a Deus.
Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto nem sequer é Deus.
Se pode e quer, que é a única coisa compatível com Deus, donde provém então existência dos males?
Por que razão é que não os impede?"
Voltando a Leibniz, não impede porque é a "sombra necessária"... e ficamos neste ciclo, rodando, atrás de uma "explicação".
Eu proponho que "Deus" é uma hipótese desnecessária, inventada basicamente por medo. Mas se, por acaso, ele existir (baixou o agnóstico), vai entender os motivos d´eu estar falando assim.
Toda esta filosofia de boteco serve para falar de "Den Brysomme Mannen" (no Brasil, parece que ficou como "o homem que incomoda"), filme norueguês de 2006, que nunca havia ouvido falar, como a maioria do que está sendo produzido de bom hoje a gente só vai ouvir falar daqui a uns 2 anos.
O filme conta a história de Andreas, um homem de seus quarenta anos que chega a uma cidade erma, sem ter a mínima idéia de como chegou lá. É bem recebido, lhe arrumam um emprego, uma casa, roupas e o integram à cidade, que se parece com uma grande metrópole da Europa.
E Andreas, apesar de não entender as coisas muito bem, pouco a pouco vai participando daquele mundinho bonito, bem arrumado, fornido, alimentado... tudo parece tão bom... tanto que alguma coisa deve estar errada, ele sente, só não sabe o que, exatamente... a única coisa que ele tem certeza é que a comida parece não ter qualquer gosto!
A ação vai transcorrendo em um ritmo razoavelmente lento e você começa a querer saber o que diabos está acontecendo. Por que tudo é tão fácil e "agradável". Por que as pessoas são tão gentis e superficiais? Por que tudo dá tão certo? Por que é tão importante escolher bem os móveis do escritório?
E foi este conjunto de coisas no filme que me fez lembrar do "melhor dos mundos possíveis" de Leibniz. Creio que, assim como a maioria dos personagens do filme acha, viver em uma utopia yuppie é o sonho da maioria de nossa sociedade, pois então, o paraíso da modernidade ocidental.
É óbvio que o personagem de Andreas é o clássico discordante, tímido, mas discordante. Apesar do comodismo inicial, acaba por persistir, querendo entender onde está, o que é aquilo, e nos leva junto, sendo bem conduzido pela direção de Jens Lien (prazer em conhecê-lo!).
Não é aquele filme que você termina de ver impactado, ou ansioso para indicá-lo a alguém, mas merece os louros que recebeu em Cannes e em seu país natal.
Abaixo, links:
Legenda (PT-BR... um dos dois arquivos serve pra este release, não lembro qual!)
p.s.: Uma das coisa que acho mais chata na escrita oficial é não poder começar frases com pronomes átonos. Porra, a gente não fala "arrumam-lhe um emprego"!!!
p.p.s.: Abaixo, um pequeno spoiler, marque se quiser:
O filme termina e não se sabe onde Andreas estava, nem onde ele foi parar. Talvez fosse o céu dos Campellos da vida, talvez fosse o limbo, talvez fosse até uma espécie de inferno bem legal. Esta sempre foi uma das coisas que me perturbou: como seria o "Paraíso"? Se for o muçulmano, com virgens, mel, bebida, etc... acho que em pouco tempo deve encher o saco, mesmo que se demore a "conhecer" todas as virgens como se deve :). Se for o cristão, com harpas, cânticos, paz, louvando o Senhor, cacete, prefiro ficar por aqui mesmo. Pior se for o de alguma novela da Globo. Já pensou, um gramado de campo de golfe, cheio de gente de branco e o Antonio Fagundes?!??! Cacete! Creio que inferno e céu, como conceitos que terminam sendo aceitos ou não individualmente, só podem também existir em perspectivas pessoais, isto é, se existirem... Talvez seja isto o bom do filme, para alguns, a cidade onde Andreas foi parar é o céu, para mim, é o limbo, para outros, pode até ser o inferno... e olha que o filme não mostra o lugar em que ele termina o filme, que parece uma espécie de Tártaro iluminado.
Ainda, como nota final, que horrível e engraçada a cena do trem :) Até destoa um pouco do filme como um todo, que é bem mais contido... morri de rir :)
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