3.5.10

O que resta do tempo

Estava pensando sobre o estado atual da crítica de cinema no Brasil. Antigamente, não só aqui, o crítico profissional era um estudioso, seus ensaios eram capazes de iluminar e escurer aspectos das obras. A história do cinema está cheia de críticos de grande vulto, além de cineastas que escreviam sobre cinema, portanto, críticos e teóricos também.

Só que, paulatinamente, a crítica de cinema começou a ser deslocada para outro tipo de profissional: o jornalista. Não que ser jornalista exclua as qualidades (ou defeitos) que o crítico antigo tinha, até porque, vários eram jornalistas, o problema é que a crítica foi ganhando um status de "notícia" e, depois disto, um status de "divertimento".

Quem abre, por exemplo, o jornal O GLOBO aqui no Rio, em busca de uma crítica, depara-se com o "bonequinho". Não é confiável. Nem estou falando de quem escreve, não conheço e nem quero, estou falando que, a partir do momento que a crítica está ligada à notícia e à diversão, vira mais um item de comércio. É o mesmo caso que atinge praticamente todo o jornalismo brasileiro, a busca da verdade fatual, por mais difícil que ela seja em um mundo real, deve pautar o jornal. No entanto, quem pauta são os anunciantes, são os interesses políticos, econômicos, ideológicos. Da mesma forma, tenta ver se algum filme da Globo Filmes recebe uma crítica ruim do jornal...

Com o avanço da internet, surgiu uma outra opção, ler críticas em páginas, blogs, geralmente feitas por cinéfilos.  Estas críticas, como as aqui feitas no equivocando, tendem a ter um enfoco mais pessoal, seus autores contam impressões, sensações, dados pinçados aqui e ali. Este tipo de crítica pode ser boa, pois não tem compromisso nenhum com qualquer coisa além de si mesma. Se diz o que se acha.


O ruim deste tipo de crítica é que depende muito de quem escreve, se o cara tem conhecimento suficiente, se o cara gosta de certo tipo de filme, se o cara tá de bom humor... não que isto não aconteça na crítica mais profissionalizada, mas na crítica amadora fica mais evidente. Sinto então um pouco de falta de um bom ensaio sobre cinema, que você só encontra aqui e ali. As críticas normalmente são rápidas e rasteiras, feito o público comum, feito a nossa paciência de ler, feito a pressa de comprar o ingresso rápido senão esgota!

Sábado, eu havia combinado de ir ao cinema com uma amiga. Íamos ver "Alice..." . Eu já havia ido, mas dormi na sessão (não boto a culpa no filme, eu que tava esgotado e não percebi). Na hora de decidirmos, deu tudo errado: ou não tinha sessão 3D, ou tinha mas era em um horário péssimo, ou era em um cinema longe, ou era algo que nem mais me lembro... Ok, para não estragarmos a noite, que se completaria com um ótimo jantar, escolhemos um outro filme: "O que resta do tempo", de Elie Suleiman.

Eu havia lido muito por cima sobre o filme, algo que me pareceu bom, mas não lembrava o que. Minha amiga disse que havia lido também, ótimas críticas, algumas jornalísticas, alguma coisa na net também. E lá fomos.

Confesso que, durante uns 3 minutos, tive medo que estivesse vendo um filme meio "gosto de cereja", meio "o balão branco". Não que eu não goste dos filmes, mas não estava muito no ânimo de ver este tipo de coisa. Eu estava em uma noite mais para Homem-De-Ferro 2 do que para "filme de arte".

Mas, em pouco tempo, vi que o filme não era do tipo temido. Alguns efeitos especiais, algumas cenas inusitadas, e notei que o tom geral era de comédia, ou "comédia".

"O que resta do tempo" narra "quatro episódios que marcaram a vida do diretor Elia Suleiman, entre 1948 até os dias atuais. Neles é reconstituído o cotidiano dos "árabes israelenses", que optaram por permanecer em sua terra natal e, desta forma, passaram a integrar a minoria local".

Eu não conheço a obra do diretor/ator/roteirista e fiquei tentando enquadrar o que eu via em alguma categoria, pois comecei a "não entender". Não entender algo pode querer dizer mais de uma coisa: 1) não entendi porque não tenho conhecimento suficiente para tal; 2) não entendi porque não tem sentido; 3) não entendi porque a obra destoa das minhas categorias mentais normais; 4) não entendi e pronto, porra!

O filme não é difícil, ao contrário, de certa forma é fácil. Suleiman cria pequenos "sketches" com diversas situações que seu pai, sua família, vivenciaram no período de quase 60 anos tratado no filme. O humor, a sátira, o absurdo, são os meios utilizados por Suleiman. E eu ficava me perguntando: por que não estou rindo? Aliás, por que ninguém está rindo na sala?

Me considero um apreciador de humor, gosto de escrever, gosto de ler, gosto de ver. É quase uma necessidade vital, por termos uma vida tão "pesada". Só que o filme ia passando e eu tinha a nítida impressão que algo estava muito errado com aquele negócio na tela. Creio que passei os 40 minutos finais do filme tentando entender o que era. Difícil pra cacete.

Tenho uma teoria. Segundo 100% das críticas que li após a sessão, Suleiman bebe em Jacques Tati, Keaton, Lloyd; constrói suas cenas nos mínimos detalhes, com uma teatralidade estudada para ressaltar as situações dos personagens envolvidos; o humor é "gráfico", "corporal", cheio de um "lâconico sarcasmo".

Não sei, eu vi muito "maneirismo", muita coisa "estruturada rigidamente", uma artificialidade que não combina com o humor. É claro que Keaton, Chaplin, Lloyd pensavam minudentemente suas cenas, o que às vezes parece improvisão é puro trabalho, mas ninguém NOTAVA isto. Como a opção de Suleiman é clara pela teatralidade, as cenas me pareciam, a todo momento, falsas, como uma piada boa contada por um intérprete ruim. Tanto é que, o único momento que realmente ri em todo o filme foi quando o diretor se permitiu um momentinho de liberdade na filmagem: ele cutuca a sua velha mãe, e a atriz não resiste a um sorriso preso nos dentes.

De resto, todas as cenas são pensadas, esquemáticas. Tanto que dá até pra adivinhar, na parte final do filme, o que vai acontecer em cada caso. 

Ao final, a minha amiga disse que gostou muito, que o filme não pretendia ser engraçado, como normalmente vemos algo ser engraçado, que a intenção era que o estranhamento das situações, mais o sarcamos implícito e o absurdo da vida dos árabes em Israel provocassem impressões mais profundas que o simples riso.

Talvez ela esteja certa. Talvez eu não tenha entendido a "proposta" do filme. Embora, sinceramente, eu só reconheça um tipo de "comédia": a engraçada! Em suas várias formas, de Keaton a Allen, de Os trapalhões a Monty Python, de The Office a Tati, de Cheech & Chong a Lemon e Matthau...

Algo em mim continua incomodado. Tão incomodado quanto fiquei após ver "a vida é bela" (que é um horror de clichês mal feitos!).

Mas OK, se eu fosse vocês, não aceitaria a minha opinião, iria ver . Quem sabe a minha amiga e, praticamente, toda a crítica de jornal e internet esteja certa, e eu totalmente errado? É o mais provável :)

Até!

5 comentários:

  1. Discordo com o começo do texto: TODAS as minhas críticas são FODAS.
    E outra: jamais assisto a filmes de países sem água potável.

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  2. Se eu disser que um filme é ruim, esqueça, não releia nem o título. Se eu disser que é bom, compre em blu-ray a versão definitiva para colecionador na Amazon. Se eu não falar do filme, é por sua própria conta e risco. Funciona assim, ok?

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  3. Se eu não confio nas minhas opiniões... imagina o que eu acho da dos outros :)

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  4. Lembra o humor de O Gigante e Whiskey, ótimos filmes do cinema recente do Cone Sul.

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