A primeira experiência "filosófica" que eu tive, com aproximadamente 6 anos, ficou gravada na minha mente até hoje. Eu estava olhando dois amigos da minha idade lutando com pedaços-de-pau, fingindo que eram espadas medievais. De repente, comecei a reparar nos movimentos dos dois, em como um caiu para trás derrubando a mochila da escola, enquanto o outro pulou por cima dele e "cravou" a espada bem no coração do amigo.
O pedaço-de-pau tinha uma pequena ponta e, sem querer, o caído teve um rasgo mínimo na camisa da farda da escola. Entrou em pânico, pois tinha certeza que a mãe iria brigar com ele.
Enquanto um se debatia em preocupação e o outro em culpa, eu continuava a pensar na "luta" entre eles, e fui retrocedendo os movimentos que havia guardado na memória: o rasgo, a queda, as batidas dos paus, a chegada naquele local atrás da escola, a saída da escola, a aula de matemática, a professora simpática, a coleguinha bonitinha da cadeira vizinha... fui retrocedendo e retrocedendo até não conseguir lembrar mais.
Eu havia notado o tempo passando, em contraste com a minha consciência dele, dos acontecimentos, e fiquei paralisado ao pensar que, em cada momento, eu estava no presente, que já era passado, e logo estaria em um futuro, que tornaria a minha consciência do presente também passado.
Pode parecer uma coisa tola, óbvia, mas até hoje os melhores e maiores cientistas, filósofos, pensadores, debatem sobre o tempo, suas características, sua "textura", seu "movimento"...
O que é o tempo? Mais, o que é o tempo em nossas consciências?
Santo Agostinho, no século IV, fez o melhor que pôde, afirmando sobre o Tempo: "se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei".
Santo Agostinho, no século IV, fez o melhor que pôde, afirmando sobre o Tempo: "se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei".
Mas esta perplexidade não foi só característica dos antigos
Kant, quando falava do assunto, postulava que não é a "coisa-em-si" do espaço ou do tempo que tem um número x de dimensões, ou uma seta do tempo apontada em tal sentido, mas sim o modo que nossa mente entende a existência é que as categoriza desta forma, isto é, nossa inata capacidade de organizar no cérebro as informações da realidade é que acaba moldando o jeito como a percebemos.
Tempos depois, nas equações da relatividade de Einstein, bem como nas da Cromodinâmica Quântica (a versão mais "estável" das várias interpretações sobre os fenômenos quânticos) não existe espaço para a chamada "quebra de simetria", isto é, não existe diferença entre o passado e o futuro. Se você escreve, em uma fórmula, um tempo "negativo", elas produzem um resultado matematicamente perfeito. Só que este resultado é contra-intuitivo, pois vivemos em um universo que tem a seta do tempo apontada apenas em uma direção: passado para futuro!!!
Até hoje, ainda acho fascinante perceber a passagem de tempo. Desde o momento em que comecei a escrever este post até o momento futuro onde eu o formatarei e o publicarei, estou observando-a.
Mas aí surge então o futuro que, aliás, por definição, nunca é, sempre será.
Só que, todos nós, em algum momento, passamos por alguma situação onde o futuro pareceu ser revelado. Não estou falando de uma suposição lógica a partir de fatos dados, do tipo: eu vou passar nesta prova porque estudei e sei que devo acertar a maiorias das questões.
Estou falando em possibilidade real de vislumbre do futuro, em consenso com Einstein e a Teoria Quântica; em dissenso relativo com Kant e Agostinho.
A história do Homem está repleta de causos, contos, histórias, lendas sobre pessoas que conseguiam prever o futuro, ou assim se dizia. Profetas, sibilas, cartomantes, filhos de deus, ou simplesmente loucos...
E aqui vai um causo: o Campello conhece um cara, amigo de longa data dele, que, em uma partida de WAR, começou do nada a cantar todos os resultados dos dados. Tanto os resultados dele mesmo quanto os resultados dos outros. O jogo foi, no mínimo, esquisito! E pelo menos mais quatro pessoas presenciaram o episódio.
Houve previsão de futuro, ou indução do futuro? Quem diabos sabe?!?!
A teoria científica mais aceita sobre o futuro dos acontecimentos no cotidiano, que pode ser vista em livros do Ilya Prigogine (fim das certezas), por exemplo, é que o futuro é determinado, mas não é determinável.
Isto é, é claro que o futuro é "determinado" por eventos que se passam antes dele: você atira uma pedra em uma janela, e foi isto que determinou o futuro da janela quebrada, uma conclusão totalmente a posteriori.
Só que vivemos em um mundo complexo, em que uma janela pode ser à prova de balas. Então, a pedra poderia muito bem ter ricocheteado e não ter feito nada na janela. A posteriori, a janela ser inquebrável determinou que a pedra ricocheteasse.
Então, por ser um mundo mais intrincado, cheio de variáveis, é impossível "determinar" o resultado de um evento como este. Há o vento, há a força, há o formato da pedra, e vai se indo, milhares de variáveis aqui e ali. Este é um problema conhecido há muito na física, que pode ser resumido ao problema dos "três corpos".
Até hoje, ninguém consegue prever, com equações, o comportamento de uma bola de bilhar que bate, ao mesmo tempo, em duas outras bolas.
Bons jogadores de bilhar podem até maximizar suas chances, mas é tudo.
Bons jogadores de bilhar podem até maximizar suas chances, mas é tudo.
Resumindo, o passado/presente gera o futuro, por causa e efeito, mas é praticamente impossível saber com antecedência do resultado, por isto é que é dito que o futuro não é "determinável".
- É... hmmm... bem... mas, cara... você não ia falar de uma história em quadrinho?
- Ãhã, tô falando!
- Não tô vendo...
- Calma, gafanhoto, vou começar agora.
Escrita por Peter Milligan, com arte de Brett Ewins e Steve Dillon, "Skreemer" foi uma mini-série mensal, em 6 edições, publicada a partir de Maio de 1989 nos Eua (no Brasil, creio ter chegado apenas em 1990) e conta uma história aparentemente muito simples:
Após uma guerra biológica que atingiu a maioria das cidades dos EUA, o país foi dominado por corrupção. Famílias de mafiosos controlam todos os setores da sociedade e quem não aceita este regime é imediatamente morto, quase como se houvesse um retrocesso no tempo até o tempo de John Dilinger ou Al Capone. O ponto de vista central é contado a partir de um homem chamado Peter Finnegan que, ao mesmo tempo que narra a ascensão de Veto Skreemer ao posto de maior de todos os chefões do país, também traça um paralelo com a vida de sua família, principalmente com a figura de seu pai.
A história é extremamente violenta e seca, como deve ser um conto de máfia. Temos um personagem implacável, inconcebível, quase pós-humano na figura de Veto Skreemer, que vai matando qualquer um que se oponha as estranhas, confusas, indecifráveis, decisões que ele toma até alcançar o patamar de poder que deseja; e temos os personagens humanos, comezinhos, prosaicos, imigrantes, da família do narrador, que basicamente quer viver o sonho americano, mesmo sendo um sonho neste pós-praga da obra.
Há uma completa influência do livro "Finnegan´s Wake" de James Joyce. Não o li, mas há tantas referências sobre a obra que fica impossível saber onde Milligan criou ou apenas copiou. Não posso afirmar nada, além do profundo respeito e admiração do autor da HQ pelo conterrâneo britânico, que surge a todo momento.
Skreemer tinha tudo para ser apenas isto: uma história da ascensão de um garoto recrutado para participar da máfia, de violência, corrupção, sexo, medo, miséria... como tantas outras que estamos acostumados a ver/ler.
Só que Milligan é muito mais inteligente do que eu poderia imaginar e, a partir dos últimos dois números, ele revela a verdadeira natureza de Skreemer, o que comandava os seus atos aparentemente sem sentido, sua violência, sua frieza... e o que estava atrás do monstro me foi impressionante como construção de narrativa, e como idéia, afinal, era uma revista em quadrinhos, não um tratado :)
Não vou estragar o conteúdo da história contando mais nada, seria amenizar o impacto. A única coisa que devo dizer, por coerência, é: eu não comecei este texto falando um monte de abobrinha só porque quis :)
Skreemer (1 a 6, direto do site Draiver Downloads)
Heidegger falou sobre tempo também. Baixei o programa e as revistas, só não achei o link do tempo, versão livre, pra baixar :) E com relação ao lance dos dados, já assistiu a Cassino? :) Hehehe.
ResponderExcluirEssa história dos dados é velha.
ResponderExcluirSempre lembrarei dela como um exemplo de delírio (histérico) coletivo.
Vai nessa, delírio coletivo é coisa de maconheiro, seu maconheiro :)
ResponderExcluirPosso jurar que além do War, tava rolando the Doors, uma chazinho de fita cassete e aquela tua tradicional imitação de Caetano em "rapte-me camaleoa".
ResponderExcluirSe você pode jurar, é pq acha que estava lá... como não estava, só pode estar DROGADO! :)
ResponderExcluiranálise caprichada. essa mini-série é mesmo brilhante, a forma como ele retrata as atitudes humanas e a necessidade de alguma ordem (mesmo criminosa ou cruel).... Agora uma referência que é bem presente na história: ERA UMA VEZ NA AMÈRICA, o filme de gangsters do Sergio Leone. Sem dúvida norteou muito do roteiro de Peter Milligan. Abrazox
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