25.4.10

Design Inteligente em Julgamento

Em 2003, eu resolvi fazer Letras em uma faculdade pública lá da minha cidade, no interior do Ceará. Apesar de algumas aulas bem sofríveis, aqui e ali havia algum professor muito bom, o que me fez apreciar o curso mais do que eu pensava. Não cheguei a terminá-lo, por questões de trabalho, tive que me mudar.

Mas um dos episódios mais intrigantes desta minha passagem por Letras não tem nada a ver com o curso. Na minha sala, havia um contingente considerável de "crentes", das mais variadas linhas: batistas, testemunhas de jeová, universal, assembléia, etc... No dia-a-dia das aulas, não havia qualquer problema com isto, era cada um na sua, a não ser quando uma das crentes era muito gatinha :) Mas isto é uma outra história!

Um feio dia, uma das minhas colegas distribuiu um panfleto sobre uma palestra que iria ser ministrada à noite. Achei interessante, o palestrante era um brasileiro que morava nos EUA, professor universitário, "consultor da NASA", estudo na Johns Hopkins, entre outras coisas. Não estava muito claro sobre o que era a palestra, o título era meio vago, do tipo "novas idéias sobre o conhecimento na modernidade", ou "princípios gerais sobre o desenvolvimento do ser humanos frente os desafios do século XXI"... em suma, podia ser qualquer coisa.

Cheguei na hora e vi a minha colega panfleteira, acenou pra mim toda serelepe. Olhei em volta e vi uma quantidade grande de alunos, quase lotando o grande auditório. O negócio havia sido bem espalhado.



O cara chegou, apresentou-se, e começou a falar sobre Einstein, sobre as convicções deste em relação à causalidade natural. Dá-lhe slides legais, piadinhas, simpatia, movimentos... o cara era meio show-man!

Até que, em determinado momento, ele começou a falar de Nietzsche, terminando o trecho mostrando na tela uma charge. "Niet: Deus está morto. Deus: Niet está morto!".

"Ih, cacete, lascou", foi o que eu pensei.

O cara então começou a falar de darwinismo, de como a teoria estava cheia de buracos, de como o papel de Deus na ciência não podia ser descartado, de como o "design inteligente" era uma teoria melhor para explicar as "falhar" da seleção natural... o negócio chegou no cume quando ele explicou, "explicou", por A+B, que era fácil de demonstrar que o Dilúvio aconteceu, matando os Dinossauros, enquanto realizava a deriva dos continentes... tudo em exatos 40 dias, como diz a Bíblia!!!!

Porra, nesta altura, eu já tinha virado um contorcionista de cadeira, doido que abrissem espaço para perguntas... o cara era um fanático religioso travestido de cientista! O momento das perguntas foi aberto, mas as mesmas foram selecionadas e, claro, nenhuma das minhas foi sequer cogitada! Eu levantei a mão, falei alto, balancei, fiquei em pé, e consegui ser ignorado, além de ver as caras feias que me olhavam por todos os lados. Eu estava atrapalhando o negócio.

Depois de alguns segundos é que notei que era um evento de uma igreja crente, e que a maioria das pessoas na platéia, ao invés de estar revoltada, estava batendo palmas!!! Caralho, eu tinha mesmo a ilusão de que ali, no interior do Ceará, apesar das dificuldades, as pessoas tivessem informação suficiente para não cair em um engôdo grosseiro daqueles, perpetrado por um escrotinho-quase-ator! Sai de lá PUTODAVIDA! Me perguntando: o que porra eu tô fazendo aqui nesta joça?!?!?!

Depois da raiva, dei um desconto, afinal, era um evento religioso disfarçado, só eu que não havia notado. Quando a minha amiga panfleteira veio falar comigo, perguntou: "E aí, gostou?". Eu olhei para aquela pessoa, trinquei os dentes, lembrando com quem eu estava falando, uma senhora de seus 40 e muitos anos, de cabelos enormes presos, de saia até o tornozelo, que não falava palavrão, que era uma dona-de-casa dedicada, e disse: "Foi... interessante!".

Ela era apenas o consumidor final da patifaria, seria rude da minha parte passar como um trator em cima dela, de suas convicções bobas, mas a que ela tinha direito. O problema era o tal "consultor da NASA".

Os anos se passaram e cá estou eu, em mais uma noite de insônia, mexendo nas minhas coisas para ver algo antes de dormir. Deparei-me então com um documentário que nunca havia parado pra ver: "Intelligent Design on Trial", da PBS americana (uma espécie de Tv Brasil de lá).

Em uma pequena sinopse: "Em Dover - Pensilvânia - vive-se uma das últimas batalhas sobre o ensino da evolução nas escolas públicas. Em 2004, uma escola local ordenou aos seus professores de biologia para lerem uma polémica declaração aos seus estudantes. Esta sugeria que existe uma alternativa totalmente válida à conhecida Teoria da Evolução de Darwin: a Concepção Inteligente. Esta ideia consistia no fato de que a vida, tal como a conhecemos, é demasiado complexa para ser o produto de uma evolução natural e, portanto, deve ter sido concebida por uma agente inteligente. Os professores recusaram-se a obedecer e os pais opuseram-se a esta teoria perante a corte federal. De fato, acusaram a assembleia escolar de violar a separação constitucional entre a Igreja e o Estado. Este documentário então é sobre a investigação deste caso peculiar, com entrevistas aos interessados de ambas as correntes. Além disso, confrontaremos as ideias e as concepções de Darwin com esta nova teoria, para compreender o que é realmente a evolução e se a Concepção Inteligente é uma alternativa científicamente válida".

Lembrei então de toda a pataquada contada pelo "consultor da NASA", ele era um defensor da "concepção inteligente".

O documentário é muito bem construído, mostra as motivações iniciais que levaram alguns dos conselheiros da tal escola a quererem que esta "teoria alternativa" fizesse parte do currículo, qual foi a reação dos professores de ciência, da comunidade. A bola de neve foi inchando de um jeito que até aquele paspalho do George W. Bush deu opinião sobre o caso.

Seria apenas uma questãozinha boba, em uma cidadezinha, se não tivesse tomado uma proporção nacional. A partir do momento em que uma escola autorizada pelos órgãos reguladores americanos simplesmente inserisse esta posição, ensinar Darwinismo e Design Inteligente, qualquer escola dos EUA poderia pleitear coisa igual, seria um efeito cascata. E, depois de ganhar os jornais, pipocaram por todos os lados iniciativas iguais, em quase 20 estados americanos.

A primeira vista, pode parecer uma maluquice tremenda esta papo todo. Só que o problema é mais sério do que parece. Nos EUA, tudo que pode ser levado a julgamento É levado, é uma sociedade extremamente "judicializada", qualquer bobagem vira caso de justiça.

Os defensores do Design Inteligente reuniram toda uma leva de "lacunas", "problemas", "dificuldades" que a teoria da evolução tem para reforçar à tese que é "apenas uma teoria", e não A VERDADE, não um FATO.

E, realmente, a seleção natural é uma "teoria", não ganhou o status de LEI porque ainda está sendo aperfeiçoada, como praticamente tudo que integra a ciência, aliás, a capacidade de algo se aperfeiçoar é essencial à ciência.

Agora, vai explicar isto prum leigo :) Para os tais defensores, o DI é uma alternativa "válida" a Darwin! E tentaram provar isto.

Só que o buraco é ainda mais embaixo. Em um dos principais artigos da Constituição Americana está dito que o Estado não pode patrocinar atos/leis que tenham motivação religiosa, isto é, o ato de uma instituição pública em querer o DI além de Darwin não pode ser motivado por uma vontade religiosa. É claro que a motivação é religiosa, mas eles tentaram, durante todo o julgamento, escapar disto, até que...

Bien, é melhor ver, pois parece um filme de julgamento americano , com reviravoltas e suspense.

Indico muitíssimo para quem gosta de tribunais (eca!), filosofia da ciência, religião, Karl Popper e correlatos!

Abaixo, links para uma versão dublada em português de Portugal, como também um link para a versão original em inglês (sem legendas).




6 comentários:

  1. Eu acredito num DI, só que feito por alienígenas fetichistas que adoram enfiar sondas retais em americanos histéricos.

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  2. Eu acredito, piamente, que, há milhões de anos, alienigenas do planeta Nibiru vieram a Terra e criaram um ser híbrido entre eles e o homem primitivo, dando início à espécie human :) (hihihihihi)

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  3. O local preciso do pouso foi na Pedra da Batateira, Crato-CE.
    A primeira geração de híbridos foi batizada "K'nophons" que, mais tarde, tornou-se Xenofonte, que ainda hoje nomeia uma família tradicional da região

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  4. Estou na 4º temporada de BSG... eu não consigo assistir a nenhuma outra coisa. Depois eu vejo este doc, doc.

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  5. Se eu te mandar um vídeo meu, fazendo strip, todo coberto de óleo de macaúba, aposto como você vê :)

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